quinta-feira, 30 de abril de 2009

Álbum de memórias (de Alma Welt )

Álbum de memórias (de Alma Welt)
386


Meu álbum fotográfico do Pampa!
Bah! Como narram minha história
As fotos em que o rosto meu se estampa
Fundidas co’as que guardo na memória!

Ali me vejo pequena e cacheada,
Com estranho vestido até os pés,
De antiga gola branca e rendada
E co’aquele olharzinho de viés.

Depois, donzela branca e sensível
A colher flor no jardim ou na campina,
A Infanta que a si mesma se imagina.

Depois ainda, a pintora-poetisa
Pincel na mão e a paleta indefectível
Muito melhor que o quadro, e mais precisa...

(sem data)


O Iceberg (de Alma Welt)
385

Deus criou o mundo inconsciente
Onde somos todos Anima e magia.
A razão é um universo penitente,
Diminuto, limitado, dia a dia.

Mas na base imensa do iceberg,
Que riqueza, que cosmos, que amplidão,
No sonho que a alma ainda persegue
Ao despertar pela manhã em solidão!

Como, pois, duvidar do dom divino
Se a própria divindade compartilha
O poder, o mito e a alegoria

No sono do velho e do menino?
E desta Alma desperta em sua ilha
A sonhar um oceano de alegria...

15/12/2006


Fênix (de Alma Welt)
384

Toda a experiência acumulada
Foi vã diante da força do momento
De emoção pungente e desatada
Produzida por antigo sentimento

Que voltou a mim como um pampeiro
Quando confrontei meu próprio amor
Ao vê-lo adentrar o meu terreiro
Vindo em minha direção... o predador!

E então, ó santa ingenuidade!
Um rubor me sobe, ó inocência!
E o tremor substitui toda a saudade.

E como uma donzela de outra era
Voltei a sonhar a tal quimera
Do primeiro amor em sua demência...

(sem data)


O pêndulo parado (de Alma Welt)
383

Vou-me daqui, Rôdo, por ora.
Não posso mais, não passarei na prova,
Nosso pai amado foi-se embora,
Eu mesma o vi descer àquela cova.

Tudo por aqui clama ou ilude,
Meu coração tropeça em sua sombra,
Ouço ainda seus passos sobre a alfombra
Que deveria guardá-los em quietude.

Mas os livros, mudos, o piano...
E o relógio da sala é só silêncio,
Os ponteiros no vão doze romano,

Imóveis congelados no momento,
O pêndulo inerte, ponte pênsil
Sobre o nada eterno e seu tormento...

(sem data(1999?)



Sonho e projeção (de Alma Welt)
382

Nas noites da estância há muito brilho,
Quero dizer, outro brilho que não meu,
Como o comboio da lua no seu trilho,
A viagem que meu pai me prometeu.

Sim, quando guria no seu colo,
Ele me apontando a Branca Via,
Turnê brilhante de uma carreira solo,
Que assim no seu sonho ele me via...

Mas de cabelos soltos, muito branca,
Ladeada por ele e pelo irmão
Eu sonhava que ali cavalgaria.

E era essa a imagem pura e franca
Que eu fazia dele mesmo em projeção
Pois meu mundo era pleno, e eu sabia...

(sem data)


Manhãs (de Alma Welt)
381

Belas manhãs, esplêndidas manhãs
Quando após um breve chimarrão,
A geléia e o queijo sobre o pão,
Eu corria para o prado e seus afãs.

E abrindo meus braços para o céu
Azul de doer de tão perfeito,
Eu experimentava vir do peito
Das andorinhas o mágico escarcéu.

E no calor girava até cair
De tontura, emoção e euforia
Por estar viva e tanto isso sentir.

Mas eis que a sombra começava a vir,
Não do umbu a fronde que alivia,
Mas do afoito coração que entardecia.

(sem data)

Nota
Acabo de encontrar este belo soneto inédito na Arca da Alma, que no entanto denuncia já o trantorno bipolar, doença que a acometeria nos últimos anos e que pode ter sido a causa da morte da grande poetisa. (Lucia Welt)


Arcádicas vigílias (de Alma Welt)
380

Espectros arcaicos desta estância!
Nas noites das vigílias gauchescas
Eu os vejo em torno desde a infância
A rodar e a dançar chulas grotescas.

Mas eu os saúdo e a eles brindo
Com o vinho dos avós para aplacá-los
Ou mesmo seduzi-los, e até rindo
Quando estão a exibir imensos falos.

E em noites de luar desmesurado
Vago com eles alva e seminua
Pela relva grisalha do meu prado.

E se da prenda xucra e sem dono
Em malícia o povo o mito perpetua,
Em arcádicas orgias me abandono...


(sem data)



A Noite do Maestro (de Alma Welt)
379

Noite perplexa, pálida e demente
A se estender da casa à pradaria
Desde o coração da minha gente
Concentrada no salão e escadaria,

Todos à roda do corpo tão presente
A que só eu via a grande espada
Entre as mãos no peito e repousada
Longitudinal e reluzente...

O maestro jazia inanimado
Mas a música de seus dedos se ouvia
A tocar num gravador ultrapassado,

Parecendo vir de longe, muito longe,
D’uma idade recheada de magia
Onde fora grão-senhor, guerreiro e monge...


03/01/2001

Nota
Acabo de encontrar este soneto na arca da Alma, que junto à serie dos "Delirantes", embora seja bem claro e descritivo do velório do Vati (papai) que para os novos leitores esclareço que também era chamado de Maestro pelos peões e alguns de nós, pois era um grande pianista embora fosse médico (só exerceu a medicina na juventude). (Lucia Welt)



O gaucho triste (de Alma Welt)
378

Vinha o gaucho ereto em sua sela,
Montado no vento e sem cavalo.
A noite carecia de uma vela
Que a lua era negra e sem um halo.

“Vai-te”, disse eu, “por quem me tomas?”
“Sou a prenda fiel de pai e irmão,
E não deixarei que escuras formas
Venham entrever meu coração!”

E o gaucho espectral continuava
Ali, com a face branca e triste,
E o zum de seu silêncio se arrastava.

Longos bigodes, chapéu de barbicacho,
No seu punho uma lâmina em riste,
A outra mão a conter o rubro facho...

05/02/2004



Sob a figueira (de Alma Welt)
377

Sob a figueira em sonho estava ela,
A branca peregrina de uma noite,
Sentada de viés em sua sela
Os olhos a pedir que não me afoite.

E eu me aproximei arrepanhando
Minha longa saia de cetim
Com meus pés inseguros caminhando
Numa espécie sedosa de capim

Dourado, como a bruma que luzia
E envolvia tudo em doce flama
Que por si apaziguava e seduzia.

E eu ouvi a voz que se me canta,
E o coração, ao recordar, ainda inflama:
"Virás comigo em breve, Alma, Infanta."



A Cavalhada (de Alma Welt)
376

A cavalhada vem durante o sono
E passa por mim em sobressalto,
Que desperto então em pleno Outono
Com as folhas varridas para o alto.

E corro, bah! eu corro desde então
Das minhas horas em fluxo contrário
Que buscam varrer-me para o chão
Com seu vento forte e arbitrário,

O Minuano, sim, que se diz dono,
E me quer não como às folhas, mas mulher,
Eu que prefiro os cavalos do meu sono

Que brancos como ondas me seduzem
E no abismal galope me conduzem
Aos páramos profundos do meu ser...

10/03/2005



Noites abrasadas (de Alma Welt)
375

Noites abrasadas, tão freqüentes
De minha grande dor transfigurada,
Quando o vão clamor pelos ausentes
Deixava o meu rastro pela escada.

Madrugadas doridas entre os galos
E os latidos longínquos na estrada;
Os minutos escorrendo pelos ralos,
Dedos e passos percorrendo o nada.

Depois o som há muito ausente do piano
Negro e mudo, a vir do tétrico Steinway
Que o mestre dedilhava e tanto amei,

Agora que só tons graves se ouvem
Tangidos pelo intruso Minuano
Como arremedo surdo de um Beethoven...

06/01/2007


Nota
Acabo de descobrir um novo tesouro na Arca da Alma: um grosso maço de papel contendo sonetos manuscritos que pelo seu timbre e conteúdo resolvi entitular "Sonetos Delirantes da Alma".
A grande poetisa cultivava também uma vertente obscura e misteriosa, por vezes assustadora, na sua imaginação tão rica de mundos e timbres.
À medida que os for compilando e digitando, irei publicando numerados. Talvez tome a liberdade de entitulá-los, para efeito de melhor divulgação no Google, pois Alma não fez, nem sequer os numerou.
(Lucia Welt)


O espírito do vinho (de Alma Welt)
374

O ser que vive em nossa adega
Vela o eterno sonho desse ninho,
Brinca de deixar a alma cega
E nomeia-se “o espírito do vinho”.

Eu sei, ele mesmo me tomou
E me fez aos quinze desnudar-me,
Tateando quando a luz aqui faltou
Para ir ao sótão e entregar-me.

Depois de cada festa pampiana,
Lá estava sussurrando do meu lado,
Instando-me a correr esse perigo:

Eu tinha que passar pelo inimigo,
O sono leve da matrona Açoriana,
Para em risos colar no irmão amado...

(sem data)


Natura e Divindade (de Alma Welt)
373

O segredo de crescer é admirar
O imenso dom da vida e o mistério
Do extremo afã de se perpetuar
Que vemos desde cima ao andar térreo,

Ali mesmo, no âmbito invisível
Dos seres que constroem a fina teia
À qual o ser humano é remissível,
E que é a própria base da “cadeia”.

Foi esse o pensamento de cientista
Que o Vati legou-me como herança
Dizendo ser o seu mesmo, de artista:

Se a Natura tem tal complexidade
Redundando em espetáculo e pujança,
A Beleza é o embrião da Divindade...

08/03/2005

Nota

Encantou-me encontrar agora há pouco na Arca da Alma, este belo soneto desconhecido e inédito, de tom filosófico e científico ratificando a visão de artista que Alma diz ter herdado de nosso pai (o Vati= papai, em alemão) que era médico e pianista ao mesmo tempo. (Lucia Welt)



Amores meus! (de Alma Welt)
372

Amores meus, mitos sagrados,
Ícones de minh’alma agradecida,
Quão grata sou aos meus amados
Por se deixarem ser em minha vida!

Aquele inaugurou meu próprio ser
Debaixo da Árvore da Inocência,
A que escolhi, na aurora, pertencer,
Malgrado dúbio fruto e consciência;

Outro, tão ardente e de meu sexo,
Que colada a mim me duplicava,
Pois que ainda sinto o seu amplexo...

E outro e mais outro, como açoites,
Rubras flechas tiradas de uma aljava
E lançadas de mim nas minhas noites...

16/01/2007



As palavras vivem (de Alma Welt)
371

As palavras vivem e me constroem,
Sou filha delas, mito e criação;
Afinal menos letra e mais canção
Já não sei se me nutrem ou se doem...

Pintei o meu mundo com meus versos
Desde o nascimento numa estrada
Até os vãos momentos adversos
Em que tive minha candura violada.

Mas quanto vi crescer este meu Pampa
Interior, como o reflexo do espelho
De um cenário real e não de estampa:

Esta casa, seu jardim e meu pomar,
O vinhedo entre o roxo e o vermelho
Do sangue desta terra em meu lagar!

15/01/2007

O ninho da Salamandra (de Alma Welt)
370

Iremos lá, àquele Cerro, meu irmão,
Como fomos juntos às Missões,
Sete Povos, lembra? num verão,
Quando a lenda nos tocou os corações.

Mas ao Jarau iremos delirantes
E assim encontraremos o caminho
E chegaremos à sala dos diamantes
Onde a Salamandra fez seu ninho.

E seguiremos, eu sei, e não malditos
Pois não somos movidos por ganância,
Mas pela graça de nossa leda infância.

Quanto ao ouro e o poder, estes gigantes
Não nos poderão deixar aflitos,
Que o tesouro vive em nós e vem de antes.


14/10/2006
Missões- Alma se refere aos Sete Povos das Missões, conjunto de ruinas grandiosas das "reduções" jesuítas no Pampa riograndense, que Alma e Rodo visitaram algumas vezes, à primeira vez ainda guris, com o nosso Vati.

* (Cerro do) Jarau- Alma se refere à lenda gaúcha da Salamanca do Jarau, de origem popular anônima pampiana, mas consagrada na versão do escritor gaúcho Simões Lopez Netto em 1913. Note-se que há versões em que a palavra Salamanca (da princesa moura que vem dessa terra de Espanha) se torna Salamandra, o elemental do fogo, que na lenda é chamada de Teiniaguá. (Lucia Welt)



Original, sem pecado (de Alma Welt)
369

Meu pai criou-me sem pecado,
Refiro-me ao meu Vati e ao conceito
Que dotou o ser humano de um defeito
No nascedouro e com certificado,

Sim, o batismo, que faltou-me
E que eu não devia carregar,
E pra isso da charrete retirou-me
Quando a Mutti ia ao padre me levar.

Mas ao longo desta minha jornada
Por Jesus me confesso fascinada,
Ao menos por seu dom de compaixão.

Quanto ao resto, credito não ao Cristo
Mas ao Gênesis, com seu pobre Adão
Que não merecia tudo isto...


Páscoa de 2006


Nota
Soneto nitidamente humorístico, que acabo de encontrar na arca da Alma, e oportuno pois escrito na páscoa de 2006. Apesar do humorismo e suave ironia, nele Alma ressalva a mensagem fundamental de Cristo, esta indiscutível: a compaixão. Alma quis dizer que Cristo não expulsaria o homem do Paraíso terrestre.
(Lucia Welt)



A cidade e o rio (de Alma Welt)
368

Na cidade fui um dia questionada:
“O que fazes pelo povo?” alguém provoca:
“Estás encolhida em tua toca
E tens a vista para ti mesma voltada”.

E eu que não sou nada de polêmica
E nem por defesa ando armada,
Por momento quedei desconcertada
E quase me senti um tanto anêmica.

Então me subiu rubor e brios,
Dizendo: “sou somente servidora,
Centrada em mim mesma como os rios

Para os que ali vivem às margens,
Pois que broto de uma vã fonte canora
Que dá frutos, colheitas e pastagens.”

12/07/2006



O Promontório e a Ilha (de Alma Welt)
367


Eu levantava muito cedo ainda guria
E tateava para ir ao escritório
Fuçar no que meu pai lia e relia,
Livros sobre a mesa, em promontório.

Eu achava que esta honra lhe devia,
Formando erudição muito precoce
Pois se perguntasse o que eu sentia,
Saberia responder fosse o que fosse.

E tentava acompanhar suas pesquisas
Descobrindo um universo colossal
Como um mar a bater sobre banquisas.

Mas um dia, questionada, afinal,
Senti que o promontório virou ilha:
“Vai ao sol, estás pálida, minha filha.”

06/05/2005


O Labirinto do Minuano (de Alma Welt)
366

Encontrei a passagem numa estante
Da fiel biblioteca e nosso gozo
Aqui no casarão, que num instante
Afigurou-se um labirinto perigoso.

Esta noite irei me aventurar
Pelo dúbio corredor mas instigante,
Não deixando todavia de me atar
À ponta de um novelo de barbante,

Mas temo que a passagem, por secreta,
Levará a imponderável metaplano
Que por certo nunca foi a minha meta,

E no centro do sulino labirinto
Estará o minotauro: o Minuano
Que, sim, me levará, eu bem o sinto.

03/11/2006


Nota
*Minuano- Nome do vento típico e famoso das planícies do Pampa. Este vento frio e veloz se insinua sibilante pelas frestas das portas e janelas fazendo cair de súbito a temperatura, enregelando e assustando as pessoas. Alma tinha grande temor e reverência por este vento, que quando soprava a deixava fora de si, histérica. Ela chamava o minuano de "rei Mino "e aterrorizada gritava que ele vinha buscá-la. Apavorada, assisti algumas vezes minha irmã perder o controle e debater-se no chão em convulsões quando soprava este vento terrível. Garanto que minha irmã não era epilética, mas sim hipersensível. (Lucia Welt)
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Quinta-feira, 9 de Abril de 2009
Gato na cama (de Alma Welt)





Gato na cama (de Alma Welt)
365


Sobre a colcha colorida do meu leito
Deixo o gato subir e aproveitar
Ronronando e oferecendo o preito
Ao aconchego que acabo de deixar

Desse caos macio e retalhado
Que é o próprio universo goghiano
Que num relance vejo ali plasmado
Antes de sair pra um outro plano:

O de minha pradaria tão eqüestre
Não como as de Arles ou de Flandres
Onde outrora viveu o ruivo mestre

Que não me consta ter tido o seu gatinho,
Que a ele faltou, como a "noigandres"*
O sentido que perdeu-se no caminho...

18/05/2005

Notas
Deste curioso e notável soneto que encontrei recentemente na Arca da Alma, o mestre Guilherme de Faria pintou uma verdadeira ilustração a meu pedido, o maravilhoso quadro acima reproduzido, a que ele deu, naturalmente, o mesmo título do soneto da Alma : "Gato na Cama". A pintura de Guilherme sugere sutil e remotamente o quadro da cama no quarto de Van Gogh, que o próprio soneto da Alma parece evocar .

*noigandres- Palavra enigmática encontrada no último verso de um poema do poeta provençal (da Idade Média) Arnault Daniel ("...y olor de noigandres"). Ezra Pound, grande poeta e filólogo, numa entrevista a Haroldo de Campos, em Rapallo, na Itália, no fim de sua vida, comenta que jamais pode encontrar o significado dessa palavra, que se perdeu no tempo. Os irmãos Campos e Décio Pignatari, então, na década de 50 fundaram a revista literária Noigandres, porta-voz do movimento concretista na poesia paulistana.(Lucia Welt)

Pretenciosamente, pois não sou filóloga, arrisco por minha conta a seguinte interpretação da palavra noigandres baseada no fato de ela vir precedida no verso de A. Daniel da palavra olor (perfume). Poderia ser uma erva ou uma flor odorífera... Mas tentando analisá-la etimologicamente, eu diria que
noig é a raiz da palavra nóz (semente)
e andres deriva do grego andros = viril
portanto a palavra noigandres quereria dizer: semente viril= esperma

Entretanto me desconcerta o fato de não ter encontrado em parte alguma um raciocínio daqueles poetas ou de qualquer outro no sentido do que arrisquei aqui. Eles permaneceram até o fim de suas vidas cultuando essa palavra como um enígma insolúvel ou uma espécie de mistério etimológico.
Eu adoraria ter conversado pessoalmente com eles sobre isso (quanta pretensão!...) mas, sendo da geração do meu pai, já faleceram, ou me são inacessíveis.


Tanscrevo aqui a "transcriação" de Augusto de Campos para o poema em idioma provençal Noigandres , de Arnaut Daniel:

Er vei vermeils, vertz, blaus, blancs, gruocs
Vergiers, plans, plais, tertres e vaus;
Ei' l votz del auselz sona e tint
Ab doutz acort maitin e tart.
So'm met en cor qu'ieu colore mon chan
D'un aital flor don lo fruitz sia amors
E jois lo grans, e l'olors de noigandres.


Vejo vermelhos, verdes, blaus,brancos, cobaltos
Vergéis, plainos, planaltos, montes, vales;
A voz dos passarinhos voa e soa
Em doces notas, manhãs, tarde, noite.
Então todo o meu ser quer que eu colora o canto
De uma flor cujo fruto é só de amor,
O grão só de alegria e o olor de noigandres *

* O grão só de alegria e o olor livre de tédio

Pela nota que Augusto de Campos colocou sob o poema, percebe-se se que o tradutor atribuiu a noig o significado de tédio, talvez por abrandamento do g em a produzindo a palavra noia (tédio, em italiano ainda hoje)mas mais certamente porque partiu da expressão do francês "L'enoi gandir ( francês arcaico enoi que transformou-se no moderno l'ennui,o tédio) gandir" (achando gandres derivada do francês gandir (proteger). Mas confesso que prefiro a minha tradução que tem mais a ver com o sentido do poema, da "flor cujo fruto é só de amor", e seria própria da malícia ou erotismo típicos desse autor provençal. (Lucia Welt)




O canto da colina (de Alma Welt)
364

É domingo e eu preparo a ida
À colina levar flores aos finados,
Ao meu Vati, ao boche e avó Frida
E o melhor dos destinos malfadados:

Minha pobre e triste irmã Solange
Que depois de uma vida equivocada,
No momento final, o do alfanje,
Cresceu, perdoou, foi perdoada.*

E agora está com eles na colina
Gozando a paz, a luz, a brisa fria
E aquele bem-te-vi que tanto trina

Como a dizer que os viu e aprovou,
Bem os quis, como alguém que os queria
E por amá-los viveu e tanto errou...

12/01/2007

Nota
*... cresceu, perdoou...-Para o leitor entender o significado deste verso, ou do soneto inteiro, recomendo que leia o romance A Herança, que, nas últimas páginas descreve os momentos finais de nossa irmã Solange nos braços da Alma, a quem até então hostilizara e tratara como inimiga. Elas se perdoaram mutuamente naquele derradeiro minuto.(Lucia Welt)

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