terça-feira, 19 de maio de 2009

A preceptora (de Alma Welt)

392

Minha mãe contratou preceptora
Para botar cabresto em sua guria
Que desembesta por aí c’uma pletora
De velhos deuses e numes à porfia,

Pelo prado, o lago e o vinhedo,
Pelo pomar e o poço mágico vetado,
Pelo bosque que guarda o meu segredo,
Pelas palhas do galpão abandonado.

“Senhorita, põe um freio nesta prenda
E ensina-lhe a conter os seus impulsos,
A comportar-se como o livro recomenda.”

“O resto, o francês e os algarismos
Podem vir se a prenderes pelos pulsos,
Contendo seu vulcão, sonhos e sismos.”

(sem data)

A preceptora II (de Alma Welt)

391

A mim, a Mutti sem saber presenteou
C’uma austera professora inusitada
Que assim que me viu se abrandou
De modo que me pôs emocionada.

O semblante, antes duro, amoleceu,
O olhar a destilar um certo mel,
E a tocar minhas mãos e o rosto meu
Como a afastar um fino véu.

E logo, ai de nós! apaixonadas,
Transformamos as aulas na mansarda
Num doce Kama-Sutra de vanguarda.

Eis o teatro de emoções mui delicadas,
Em que a mestra amolecia o coração
E o corpo, ao deslizar de minha mão...

(sem data)


Nota
Para os leitores que quiserem conhecer melhor este episódio real da adolescência da Alma recomendo a leitura do belo conto "A Preceptora", no blog Contos da Alma. (Lucia Welt)

Minhas vidas paralelas (de Alma Welt)

390

Sobre a folha branca de papel
Tenho minhas horas renovadas,
Passadas a limpo sob um céu
Escolhido em azul ou trovoadas.

Eis aqui o meu mundo paralelo
Não menos real que minha prosa
Ao gerir o casarão como um castelo
Onde reino e sou toda poderosa.

Bah! Pois se é esse o meu destino,
Perdoem-me descrentes e aflitos,
Meus versos e o sangue com que assino.

Pois assim se na vida rio e choro,
Esta folha vai renovar-me os ritos:
Nova vida, riso, dor, que não deploro.

09/12/2006

A Era romântica (de Alma Welt)

389

Eu já estive nesta casa, eu o sinto.
Sentava-me à mesa como agora,
Os convivas se enchiam de absinto
E tardavam muito a ir embora.

Mas me lembro de um que era sóbrio
E notando meu desgosto e desalento
Para evitar-me algum opróbrio
Me convidava a passearmos ao relento.

E eu já então chegada ao verso
Declamava para ele minha poesia,
Concentrando seu olhar nada disperso.

“Abandonei os bebedores comezinhos”
-ele com olhos marejados me dizia-
“E me embriago agora de outros vinhos...”

08/03/1990

Nota
Alma quando estudou na Alemanha, foi à França e visitou parentes na Alsácia-Lorena, terra de nossa avó Frida, e disse ter sentido a sensação de já ter estado na vetusta casa onde aquela nasceu e morou até a juventude. Então escreveu este soneto que expressa essas sensações, que ela considerou reminiscências de uma sua encarnação na “era romântica”. Resta saber quem foi esse interlocutor...
(Lucia Welt)
Postado por Lúcia

sábado, 2 de maio de 2009

De eras, heras e medos (de Alma Welt)

"...Où sont les neiges d'antan?"
(Balada das Damas dos Tempos Idos-
(François Villon)


388

As vetustas paredes desta casa
Guardam sonhos da farroupilha era,
Também medo tardio que extravasa
E se alastra agora como a hera

A recobrir daninha esta fachada
Tornando-a mais sombria que vital
E nada hospitaleira à convidada
Que eu trouxe da longínqua capital

E que de noite acorda e se me agarra
A debater-se qual barca em sua amarra
Na torrente dos suspiros e das mágoas

Das prendas que qual "neves d’antanho"
Ora permitem degelar as suas águas
Pois que então o heroísmo era tamanho...

2004